quarta-feira, 30 de abril de 2008

Mata Verde - Cap. 3

O carro de Ricardo virou a curva na estrada de terra e ficou visível para nós. Os homens de Mata Verde haviam jogado todo tipo de entulho - toras de madeira, pedras e até uma carcaça de preá encontrada no caminho - para bloquear a estrada. Ricardo teve que parar o carro. Era um rapaz bonito, forte e moreno. Se eu não estivesse na idade e nas condições atuais, poderia até vir a me apaixonar por ele...

Ele andou pela terra macilenta e parou em frente à barricada improvisada.

- Nem mais um passo! - Disse o delegado Ameixeiras para o rapaz. Todos do grande grupo que seguiram da cidade até aquele ponto da estrada se paralisaram, os ombros se juntando uns aos outros, para formar uma nova barricada mais macia ao tato, mas muito mais dura na intenção.

Ricardo tirou da pasta de couro que trazia consigo diversos papéis.

- Eu tenho o direito! Eu tenho...

O Prefeito Carvalho adiantou-se, interrompendo o rapaz.

- Meu filho, - disse, em tom condescendente - eu sei que você acha que estamos querendo impedi-lo de entrar por ganância ou alguma coisa assim. Mas não é verdade. Estamos pensando em você, tanto quanto pensamos em nós.

- Acho difícil de acreditar... - Disse o rapaz, começando a passar por cima da barricada para se aproximar do prefeito. Mas ele parou, frente aos protestos do grupo, e eu pude ver claramente a confusão em seu olhar: os protestos não eram raivosos. Pareciam preocupados. Como alguém que diz "não suba no muro, menino, ou você pode cair e quebrar a cabeça".

domingo, 27 de abril de 2008

Mata Verde - cap. 2

Como toda história, o que me interessa contar vem de uma mudança. Que começa com uma morte, a de Maltauban Araucária. E uma herança, recebida por Ricardo Araucária, seu primo em terceiro grau.

Entendam: Maltauban era um dos habitantes com mais posses em Mata Verde. Tinha três casas na cidade, um pequeno prédio comercial e uma fazenda.

Ricardo, que nunca havia pisado em nossa cidade - bom, eu não sou exatamente daqui, mas já moro há mais de 30 anos, posso me considerar Mataverdense, não posso? -, soube da morte e das propriedades. Obviamente, não quis abrir mão de suas posses. O prefeito Carvalho bem que lhe ofereceu ficar com a fazenda e esquecer os imóveis dentro da área urbana. Ricardo não acreditou quando o prefeito disse que elas não tinham o menor valor.

Eu estive presente à reunião em que se tomou conhecimento da chegada próxima de Ricardo à cidade. Havia uma certa raiva no ar, fervida no medo da mudança. Mata Verde custou muito a chegar numa homeostase e o equilíbrio era sútil. Por isso, saiu-se em comitiva para receber o intruso nos limites da cidade.

Mata Verde - Cap 1

Não sei porque resolvi contar essa história. Talvez seja o fato de ela trazer uma importante lição de moral para as crianças, mas duvido. O mais provável é que seja só tédio.

É a história de Mata Verde, uma cidade perdida no meio da floresta equatorial, no estado do Mato Grosso. As roupas das pessoas estão constantemente encharcadas de suor ou chuva. O ar é denso, deixa as coisas mais lentas, como se os habitantes da cidade se movessem numa gelatina incolor e sem sabor.

Mata Verde é uma cidade incomum. Já foi uma das cidades mais prósperas do estado, aglutinando o comércio da região. Mas isso mudou. Nos últimos anos, Mata Verde fechou sua porta e suspendeu as boas-vindas. A cidade se esforça para sumir do mapa.

Hoje, ninguém mais vem à cidade. Hoje, ninguém sai daqui. É uma cidade congelada no espaço e no tempo. A população diminui sensivelmente: cada ano, há menos moradores. Muitos morrem, poucos tem coragem de nascer aqui.

Mas, o principal de tudo: em Mata Verde, ninguém nunca está sozinho.