terça-feira, 14 de outubro de 2008

Crevatolf - cap. 20

Passamos o começo da tarde enchendo uma das máquinas voladoras de todo tipo de suprimento que achamos. Mas não havia quase nenhum ingrediente para levar. Quando terminamos, procuramos Grigrapreti: queríamos uma refeição, antes de partir.

- Já está sendo providenciada - ele disse, quando o encontramos. - Haverá mais uma pessoa presente...

Eu o reconheci, imediatamente, apesar de não saber seu nome. Tínhamos conversado diversas vezes, quando ele ainda era nosso prisioneiro na cidade de metal.

Ele se chamava Grebrerão.

Cumprimentou-nos com certo agradecimento no olhar, e percebemos rapidamente que ele estava bem melhor do que quando foi capturado na floresta sempre-viva.

- Nunca tive a estrutura mental para lhes agradecer quando me soltaram. - ele disse, se curvando. - Faço isso agora!

Sentamo-nos e começamos a comer. Ele apenas nos observava.

- Vão querer saber o que eu vi lá... - ele disse, após alguns instantes. Demo-nos conta de que a pergunta estava em nossas bocas, mas não achávamos meio de formulá-la.


Estão todos mortos... Nós os atravessamos com lanças e facas, mas não corria sangue em suas veias. No auge do desespero, alguns de nós morderam o exército de condenados. Contraíram doenças terríveis por isso.

Mesmo quando moíamos seus corpos com porretes, eles continuavam a se mover. Alguns não eram mais do que poças putrefatas no chão. O exército da morte, conquistando tudo ao seu redor.

Um dia - meus olhos ainda ardem ao lembrar - entramos num descampado. Nossos pés levantavam pequenas nuvens de poeira ao andar. Quando chegamos ao meio do descampado - sem que houvesse nenhum vento! Sem nenhuma maldita brisa! - todo o pó se levantou, em rodopios! Ele nos envolveu, entrando em nossas fossas nasais, em nossos olhos e bocas, nos nossos poros amaldiçoados! O pó, em nossas bocas, sabia a cinzas e suor. Vi todo meu batalhão cair e corri para longe. Para minha sorte, achei um rio e me joguei nele. Juro ter ouvido um suspiro de lamentação quando o pó que me cobria se desprendeu de meu corpo e foi levado pela água. Fiquei ali embaixo da água por todo o tempo que pude - dois, três dias, talvez. Sempre que pensava em sair, temia o solo seco.

Foi assim que fui encontrado e mandado embora dali.


Um fio de baba escorria-lhe pelo canto da boca. Ele estava estupefato pelas lembranças. Deixamos Greberão em paz. A noite já caía.

Fomos para nosso quarto. No início da madrugada, Prosfrus nos chamou, um a um.

O caminho até as máquinas voladoras estava sem nenhuma vigília. Entramos na máquina que havíamos carregado e Prosfrus puxou com força a corrente que deveria acionar o mecanismo.

O grande rolimã na ponta do ovo se moveu, fazendo as tiras flexíveis rodarem de forma engraçada, como um polvo nadando em círculos. Ajudamos Profrus a puxar a corrente e, da segunda vez, o rolimã começou a rodar com velocidade. As tiras abriram-se como hélices, depois se curvaram para trás envolvendo o ovo e uma sensação de desequilíbrio nos fez perceber que flutuávamos.

Passamos por cima das muralhas de vidro um instante depois. Bea e eu estávamos exaustos e acabamos dormindo, enquanto Prosfrus fazia a máquina se dirigir para o sul.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Crevatolf - Cap. 19

No começo de nosso terceiro dia na cidade, acordamos com uma agitação tensa. Saímos da ala de convidados da casa central e andamos até os escritórios oficiais. Ouvíamos choro e raiva lá fora. Tememos que a resposta de TayFor tivesse chegado e não fosse favorável a nós mas, para nossa surpresa, aconteceu o contrário, de certa forma.

Fomos recebidos por Grigrapreti com um sorriso amarelo e ansioso. O metagorfo que víramos partir, três dias atrás, descansava no fundo do salão onde o líder dos bugrerões nos recebeu.

- Estamos reunindo um esquadrão para acompanhá-los. - Grigrapreti disse. - TayFor pediu que os ajudássemos.

Nós trocamos olhares. O bugrerão continuou.

- Devo assumir que não é tarefa fácil. Nenhum dos nossos quer ir para lá, depois que os poucos sobreviventes voltaram, enlouquecidos pelo que viram. Nossa tribo costuma ser de gente valente, mas o que se enfrenta no sul não é natural...

- E o que você pode nos oferecer de transporte? - perguntou Prosfrus.

- Máquinas voladoras.

Eu nunca tinha ouvido falar nelas e, pela expressão de dúvida no rosto de Bea, percebi que ela também não. Mas Prosfrus e Trestede pareciam empolgados.

Então Prosfrus sugeriu que fôssemos ver as máquinas, acompanhados de Trestede. Ele ficou com Grigrapreti.

As máquinas voladoras eram do tamanho de um elefante. Haviam várias e percebemos que cada uma poderia levar cinco pessoas. Lembravam ovos de vidro, deitados, mas, na parte da frente do ovo, presos a uma espécie de rolimã, várias tiras de um material estranho, que lembrava lona, tombavam até o chão. Através do vidro, víamos diversos mecanismos interligados, além das cadeiras para que os passageiros sentassem.

Depois de alguma tempo, Prosfrus voltou a se juntar a nós.

- Partimos hoje a noite... - ele disse. - Tudo o que precisamos será colocado em uma das máquinas.

Eu estava reflexivo.

- Acha uma boa idéia esse esquadrão de bugrerões nos acompanhar, Prosfrus?

Ele respondeu, sisudo:

- Vamos partir sozinhos.

Crevatolf - Cap. 18

As Terras de Fogo haviam sido uma grande floresta, há muito tempo atrás. Mas os bugrerões haviam devastado tudo, enchendo o solo de minérios incandescentes. A floresta queimou e a terra fervia, formando rios de minerais derretidos, que os bugrerões utilizavam para soprar em maravilhosos vitrais.

Ainda assim, era difícil pensar em todas as árvores que haviam sido carbonizadas para isso.

Depois de andar por dois dias, vimos as imensas esculturas de vidro que circundavam Quatores. A fumaça da terra escaldante cobria o céu de nuvens plúmbeas que contrastavam com a vermelhidão do solo.

Era hora de saber se a bandeira nos fornecida por TayFor valia alguma coisa: os bugrerões eram conhecidos por sua agressividade e lealdade ao primeiro vizir.

Caminhamos pela estrada até a muralha de vidro, que era feita de tal forma que fazia os guardas parecerem monstros gigantescos a quem os observava de fora. Levantamos alto a bandeira e pudemos perceber os vigias se entreolhando.

- A comitiva da cidade de metal! - um deles exclamou, para nosso alívio. No entanto, o silêncio que se seguiu nos deixou ansiosos.

Por fim, o guarda voltou a falar:

- Onde estão os outros?

- Somos só nós, agora... - disse Trestede. - E precisamos de alguma ajuda.

Outro silêncio se seguiu, até que os portões se abriram. Prosfrus e Trestede entraram primeiro. Em seguida, entramos Bea e eu. Os bugrerões nos cercaram, mas sentíamos mais curiosidade do que animosidade neles.

Fomos levados à casa central, onde o líder morava, e tivemos que contar nossa história. Poucos instantes depois, eu vi um metagorfo voar pela janela e tive certeza de que TayFor estava sendo avisado do que estava acontecendo.

Prosfrus também percebeu e resolveu ir direto ao assunto, solicitando, o mais humildemente que podia, comida, montarias e ingredientes.

Mas Grigrapreti, o senhor dos bugrerões, fez questão que passássemos a noite para descansar.

No final do segundo dia, percebemos que teríamos que ficar lá até que o metagorfo voltasse: não éramos prisioneiros, mas nada nos era oferecido que possibilitasse que continuássemos a viagem. Trestede chegou a questionar Grigrapreti, que respondeu que eles estavam providenciando o que precisávamos.

Reunidos, à noite, resolvemos testar a sorte: esperaríamos o mensageiro voltar.

sábado, 4 de outubro de 2008

Crevatolf - Cap. 17

Quando chegamos ao meio do planeta, éramos só cinco: Bea e eu, Trestede, Prosfrus e Tula, nos céus.

A cada dia uma nova disputa nos separava mais: um grupo dos plurinogorfos vendeu os crocofantes restantes para mercadores de animais escravos. Os plurinogorfos excluídos da transação discutiram e, de alguma forma, tudo acabou sendo nossa culpa.

E encontramos mais desejo espalhado por todos os cantos.

Para Trestede, era uma magia de cobiça, o que parecia fazer sentido. E o mandante começou a nos parecer óbvio: TayFor.

Os mágicos e os plurinogorfos discutiram por reconhecimento. Os últimos cornocorpóreos ficaram cheios e resolveram voltar para a floresta sempre-viva.

Um certo dia, todo o suprimento restante de ingredientes para magia desapareceu, junto com três dos mágicos. Por sorte, Bea e Trestede haviam enchido seus estoques pessoais. Mas ainda assim, não era suficiente para um feitiço de detecção, nem para um contra-feitiço.

Certa manhã, quando eu e Bea acordamos, todos haviam partido. Prosfrus, durante a noite, havia mandado os plurinogorfos voltarem para a cidade de metal. Trestede havia feito o mesmo com os dois mágicos que ainda estavam conosco.

- Eles iam acabar se engalfinhando. - disse Trestede. - Por mais que o feitiço possa estar afetando a nós quatro, ainda estamos juntos...

Com relutância, concordamos. Mas não era possível continuar a pé. Nem havia mágica o suficiente para nos fazer voar até o sul.

Até então, vínhamos buscando caminhos isolados, sem passar por cidades, para evitar os espiões de TayFor. Naquele dia, resolvemos desviar um pouco o curso e passar por Quatores, a imensa e escaldante cidade no centro do que conhecíamos como as Terras em Chama.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Crevatolf - Cap. 16

Gabel retomou a palavra:

- Não podemos perder mais ajuda... - ponderou Prosfrus.

- É algo mágico... - falou Bea. - Precisamos descobrir que feitiço é esse e quem está sob seu efeito, para quebrá-lo.

- Ainda tem ingrediente o suficiente para uma magia de detecção? - perguntou Prosfrus.

Não havia.

Assim, tivemos que optar por questionar os mágicos, como queria Trestede.

Foi desastroso.

Enquanto todos se acusavam mutuamente, descobrimos que nenhum deles tinha qualquer ingrediente consigo.

Isso só aumentou a discussão e logo os plurinogorfos foram envolvidos. Parte dos mágicos os acusaram de ter vendido os ingredientes.

Alguns sugeriram que haviam sido os humanos, mas Trestede garantia que ele mesmo inspecionara os tonéis depois que os humanos foram embora.

Nada foi resolvido naquela noite.

Quando acordamos, no dia seguinte, a maior parte dos cornocorpóreos e dos crocofantes havia desaparecido. Só restavam uss poucos que dormiam mais afastados do grupo maior.

Havia uma testemunha: um dos cornocorpóreos. Com ajuda dos plurinogorfos, que se comunicavam com esses animais, soubemos que, durante a noite, um gigante com um grande chapéu havia aparecido no campo e polvilhado algo nos animais. Depois, todos haviam seguido o gigante, como se ele fosse a melhor comida que já houvesse sido oferecida.

Ao investigar o campo, descobrimos Desejo espalhado pela grama. Alguém havia enfeitiçado os animais.

- Foi a Morte! - eu disse, reconhecendo o gigante de meu sonho na descrição do cornocorpóreo.

- Não diga besteira... - disse Prosfrus. - A morte não é um gigante de chapéu, é uma mulher...