sábado, 30 de agosto de 2008

Crevatolf - Cap. 5

O portão exercia uma força opressora sobre os quatro companheiros. Hopo e o crocofante nem olhavam em sua direção. Gabel só o olhava de soslaio e mesmo Bea se sentia nervosa ao fitá-lo diretamente. As grades, de um metal alvo e brilhante, lançavam fachos de luz que contrastavam com o branco da neve, ao redor.

Decidiram descansar, antes de seguir em frente.

- Então vocês não foram criados em Paraíso? - perguntou Hopo, humildemente, buscando algum assunto que desviasse a atenção de Crevatolf.

- Não... - respondeu Bea - Mas eu me lembrava do interior do castelo e, vagamente, das cócegas que meu pai me fazia.

- Acha que vão reencontrá-lo? - perguntou o metagorfo.

- É o que diz a profecia... - sussurou Gabel, com o frio e o medo roubando-lhe a voz.

- Profecias... - falou o crocofante, em seu estranho sotaque animalesco. Mas o tom de descrédito ficou claro, lembrando aos meninos de alguém que conheceram antes de encontrar o semi-paquiderme: Marxus, o pequeno mago.

- Ainda não tivemos ânimo para uma boa conversa. - disse Hopo - Quem sabe se soubéssemos da história desde o começo, pudéssemos ajudar mais? Se é que há uma história a ser contada...

- Ah, sim. Há uma história! - disse Gabel - e contá-la poderia nos fazer bem. Por que não a conta, Bea?

A princesa sorriu. Um sorriso doce, fraco, cansado e, ao mesmo tempo, ansioso, surgiu em sua face magra. Contar a história poderia trazer frescor aos detalhes importantes e a tudo que aprenderam no caminho.

Mas não seria simples.

A história era dolorida.

Ainda assim, buscando fôlego, a menina a contou.

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Crevatolf - Cap. 4

Já dentro de casa, em torno da mesa do jantar, Trestede nos contou toda a história de Viramundo: de como ele, de enganado, passara a herói e fechara Borboreal. E do que aconteceu depois disso.

Quando percebemos que Los havia voltado para seu próprio mundo, devido ao fechamento de Borboreal, a maioria de nós correu para ver o que acontecera à Rainha. Eu estava próximo a ela, na linha dos mágicos, mas não percebi a chegada do rouxibel. Prosfrus me contou, mais tarde, que mal pode percebê-lo se aproximar, tão pequeno e veloz, cortando o ar com asas que batiam a uma cadência invisível.

Ele ferroou a rainha próximo ao pescoço e caiu, vazio. Todo seu sangue pestinolento foi injetado no corpo de Anácris.

Os magos e bruxos reunidos mal tiveram tempo de pensar em algum feitiço que pudesse salvá-la. Acabaram congelando-a em um cubo de tempo, que rapidamente cobrimos e enterramos. Ela ainda está no campo de batalha onde vencemos Los. Nosso medo era que o primeiro vizir a encontrasse para terminar o serviço nefasto que começara. Assim, em cima e ao redor de sua câmara soporífera, construímos uma cidade de ferro, cujos habitantes são seus guardiões.

Prosfrus fez um esforço tremendo para salvar Viramundo. Em vão. O garoto despencou dos céus e atingiu o chão mais rápido do que as reações que tivemos.

Seu corpo foi restaurado pelos mágicos e mumificado. Seu túmulo está exatamente acima da câmara de Anácris, na praça construída no centro da cidade guardiã, que recebeu o nome de Praça de Heróis.

A cidade, no entanto, encontra-se sitiada pelo primeiro vizir. Felizmente, ela é quase totalmente auto-sustentável e o enorme exército que lutava contra Los está do nosso lado. Mas as forças do primeiro vizir crescem a cada dia.

Grandes assembléias com a participação de todos foram realizadas, e concluímos que o primeiro passo era trazer de volta os príncipes de Paraíso, pois enfim a profecia poderia seguir seu rumo.

Faz pelo menos 4 anos que saímos da Terra e voltamos para Paraíso. Por três anos nos preparamos para partir para o Sul. Já não sei mais a quanto tempo estamos viajando.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Crevatolf - Cap. 3

A chegada de Bea não deixou de ser um alívio. Vivendo nesse planeta racional e esquecido, às vezes eu acreditava ser louco. Se eu contasse para alguém que acreditava ser o príncipe de um planeta longínquo, cheio de seres estranhos e magias, certamente me convenceriam a tomar algum remédio.

Não me lembrava dela e a olhei com timidez, quando seus olhos se levantaram e se encontram com os meus. Mas ela abriu um sorriso imenso e correu para me abraçar. Seu corpo era quente e firme, diferente do corpo dos plurinogorfos. A sensação me deu vontade de chorar. Eu sentia muita falta de contato humano. Os plurinogorfos são tão diferentes de nós...

Por cima dos ombros de minha irmã, vi alguém que já conhecia, mas tinha visto poucas vezes nos últimos tempos. Seu nome era Trestede e ele era um dos guardiões que vieram comigo para a Terra.


- Olá, Gabel... - ele disse, com um sorriso fraco.

- Olá, 'Seu' Josias! - eu disse, sorrindo ao me referir ao nome que ele usara nos últimos anos, no planeta. - Anda sumido!

- Estive em Paraíso... - ele me surpreendeu com a resposta.

Bea me soltou e olhou meu rosto. Examinou-o inteiro, cuidadosamente.

- Nada... - disse, enfim. - Nada que me lembre o bebê que conheci tão rapidamente. Se eu te visse na rua, não saberia quem você é...

Sorri para ela.

- Estamos na mesma situação, então... Mas eu diria: lá vai alguém com o nariz igual ao meu!

Ela soltou uma gargalhada aberta e gostosa.

- De nosso pai! - E me abraçou novamente, com mais força, dessa vez.

Crevatolf - Cap. 2

O portão não era tão grande quanto Borboreal. No meio do branco, parecia oprimido. Os quatro viajantes pararam à distância e os meninos e o metagorfo desceram do lombo do crocofante. O animal abriu a bocarra cheia de dentes para receber mais uma refeição. Mastigou o macapré devagar, apesar da sensação de avidez causada pela fome. Sabia que as rações ficariam escassas naquelas planícies onde tantas vezes penetrara, mas que, pela primeira vez, atravessava. Não queria ver Crevatolf, mas devia o esforço aos meninos.

Agora seriam poucos metros e poderia voltar para casa.

Já o casal de humanos não estava certo se voltaria.

Lembraram-se de tudo o que haviam passado, desde seu reencontro. Gabel não se lembrava da irmã - tinham se separado quando ele era recém-nascido - e se surpreendeu ao vê-la em seu portão, a universos de distância, na Terra.

Tinha oito anos quando a viu...

Eu voltava para casa de meus treinos. Os plurinogorfos que me criaram fizeram questão que eu treinasse atletismo desde quase bebê. Diziam que eu voltaria para Paraíso e precisaria estar pronto para a batalha. Como nunca me interessei pela magia, preferi cuidar do corpo.

Pranestrede me ensinava as lutas de Paraíso, e minha preferida era o suorca, luta corporal com espécies de adagas de duas pontas nos sapatos e luvas - oito pontas no total.

Quando cheguei em casa, uma garota de 16 anos estava sentada na porta, conversando com Pranestrede, que se mostrava humilde e, ao mesmo tempo, entusiasmado. A garota tinha cabelos loiros, olhos negros e um nariz exatamente igual ao meu. Vestia um macacão de material estranho e com diversos bolsos frouxos, que me pareciam pesados de tão cheios.

Mas o que agarrou minha atenção foi o pingente em seu pescoço. Era um pequeno cubo negro pendurado por um dos vértices. Símbolo dos mágicos.

Eu o reconheci imediatamente: era o colar que via todas as noites antes de dormir, ao olhar para o retrato pintado de minha mãe pendurado na parede de meu quarto.

Percebi, assim, que era hora de voltar para casa.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Crevatolf - Cap. 1


Hopo pousou na traseira do crocofante, tentando se equilibrar no escasso lugar deixado pelo casal de meninos. O frio o castigava e o vento enchia seus olhos de lágrimas, que se congelavam mal escorriam pela penugem da face. O pequeno metagorfo recolheu as asas e adaptou suas garras para melhor o fixarem no lombo nodoso e áspero do semi-paquiderme. Fechou os olhos, mas o reflexo branco das planícies cobertas de neve continuou visível, forçando-o a apertar bem as pálpebras para conseguir um pouco de escuridão.

Bea e Gabel se espremiam um ao outro, tentando diminuir o frio. O crocofante acompanhava os vales das dunas de gelo, buscando não se cansar com as subidas e descidas. A estratégia, no entanto, colocava-os no caminho exato do vento constante e brutal que varria a planície gelada.

Gabel enfiava a cara entre os cabelos soltos da irmã, tentando proteger-se das baixas temperaturas. Ela agarrava-se à sela, que era revestida com pêlos de blufos e cujo cepilho alto protegia-a até o pescoço.

Hopo aproximou-se, devagar, do menino, literalmente moldando seu corpo ao dele. Gabel o enlaçou com uma das mãos e o espremeu junto a si. Sentindo que isso era uma permissão, o metagorfo soltou suas penas, substituindo-as por pêlos grossos e abundantes, e assumiu a aparência de um grande linguado peludo, envolvendo quase todo o corpo do menino.

O sol não se punha naquela parte achatada do mundo. A luminosidade refletida no branco da neve doía nos olhos, mas não trazia o menor conforto em termos de calor. ‘É um lugar de morte, sem dúvida...’, pensou Hopo.

Enfim, os contornos de um grande portão se delinearam no horizonte. Dois grandes pilares de pedra, que se engrandeciam à medida que o crocofante se aproximava, serviam de apoio para as duas grades que formavam o portal. Curvas no topo, as grades formavam um meio-círculo que recortava o céu.

Não havia muros.

Apenas o portão, escancarado, cravado no meio do gelo, com a planície cercando-o por todos os lados.

Mesmo à distância, puderam ler seu nome nas barras retorcidas: Crevatolf. O portão dos encontros, onde o Desejo tornara-se Delírio, diziam as velhas lendas.

A entrada da casa da Morte.

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Nova temporada da Saga dos Portões

A nova temporada começa em 5 dias...

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Borboreal - Cap. 34 - Final


Agora ficou fácil. Ajeito a armadura que me serve de asa, levanto o peito para diminuir a velocidade. A fechadura está tão perto que vejo o brilho de sua armação metálica.

Eu o vi se aproximando a toda velocidade da rainha. Ela mandara todos para o campo, quem a protegeria?

- Anácris! - gritei, em vão. E a vi despencar no chão


Muito, muito pouco, agora. Olhei para baixo e vi Los sair do transe como quem se colide com um poste. Ele tentou se equilibrar e olhar para cima, ao mesmo tempo, o que o fez cair sentado.

Muito, muito perto, agora. Eu estava perfeitamente alinhado ao buraco da fechadura. A chave parecia se atrair para ela.

O grupo de mágicos pareceu levar um baque, como se estivessem em um navio que se choca. A maioria parecia tonta, mas os mais perto da rainha correram para auxiliá-la.

Então senti o calor. A armadura térmica me protegeu das queimaduras, mas fui atirado para cima como um brinquedo. Los urrava. Aflito enquanto rodava pelo espaço, tentava fixar minha visão em Viramundo, sem conseguir.


A chave entrou. Fui jogado para a frente quando ela parou no fundo do mecanismo. Tive que me segurar com toda força que ainda tinha. Meus dedos enrijecidos pelo frio deslizaram por toda a superfície entalhada da lança. Parei com as mãos espremidas na fechadura e a gravidade me puxou.

Eu estava agora pendurado na lança, enquanto via o imenso buraco negro no céu ir se tornando luz vibrante - azul,verde, laranja e amarela.

Ao mesmo tempo, era como se anoitecesse abaixo de mim. Deixei minha cabeça pender para baixo mas, antes de constatar que Los se extinguia, fui atingido pelo calor.

Enfim, consegui recuperar meu controle. Havia sido jogado para longe pelo calor. Estava agora atrás da linha dos mágicos.

A luz havia desaparecido.

Viramundo fechara Borboreal! O portão da luz voltara a emanar suas cores.

Olhei para a rainha, deitada no solo queimado pelas tantas batalhas. Ela não parecia respirar. Tentei achar seu assassino, mas eles são muito rápidos.

Comecei a voar em sua direção, quando me dei conta: como é que Viramundo ia descer de lá? Ele saberia usar a torre de vento? Olhei para cima e o vi caindo


Já não sentia meu corpo, todo queimado pelo urro. Eu deveria ter pensado que poderia sobreviver... Devia ter combinado alguma coisa com Tula... Mas havia esquecido. Chamei-a, mas foi só um sopro sussurrado que saiu de meus lábios queimados.

Via a chave, que havia ficado na fechadura, se afastar muito veloz de mim. E o que importava?

Há pouco tempo atrás, eu era um covarde insignificante que podia ser usado como isca para assassinos.

Agora, eu era um herói em Paraíso.

'Seu' Josias sentiria orgulho de mim!

Voei em sua direção, com toda a força que tinha nas asas. Gritava a todos que salvassem Viramundo. Eu estava muito longe!

E meus pais? Provavelmente caçando 'Seu' Josias pro todo lado, a minha procura... Senti saudades de minha mãe. E isso me trouxe saudades da Rainha Anácris e de seus filhos, que eu nunca conheci. Eles agora poderiam voltar para casa, voltar para o amor de mãe da rainha, que eu só roçara durante nossas conversas. E cumprir a profecia da qual eu nunca participei.

Pensei ouvir meu nome ser chamado pela voz de Prosfrus.

Já não conseguia ver a chave. longe no céu. Não quis olhar para baixo. Ver o chão se aproximar. Pensei que nem sentiria o impacto.

E foi assim.

FIM (da primeira temporada)

domingo, 3 de agosto de 2008

Borboreal - Cap. 33

Busquei meu peito com a mão esquerda e achei as alças da armadura térmica, como vinha treinando nas noites. Puxei-as levemente e elas se abriram como uma asa-delta. Deslizei pelo espaço, sentindo o vento me empurrar para o portão.

Na mão direita, apertava tão forte a lança que sentia meu coração pulsar nos dedos.

Lá embaixo, uma linha de pessoas se formava há alguma distância de Los, enquanto os crocofantes e os plurinogorfos continuavam a atacá-lo.

Um arrepio me passou pelas costas quando percebi que a uruguia havia diminuído a velocidade e agora voava em direção oposta ao portão. Por um instante, pensei que Viramundo havia desistido, o que teria colocado todos nós em sérios apuros.

Mas aí percebi o pequeno ponto planando pelo céu, em direção ao portão. Mesmo com o olho de jaguarade, não consegui entender como o garoto conseguia flutuar daquele jeito, mas eu perguntaria mais tarde.

Era preciso nos preparar para ajudá-lo.

Mandei que todos os magos, bruxos e feiticeiros se alinhassem e começamos a conjurar o encantamento. Cada um dos mágicos tirou seu cubo e começou a misturar os ingredientes na ordem e quantidade que eu havia ensinado.


Eu comandava os ataques dos outros plurinogorfos. Os arqueiros voavam à minha frente seguindo minhas ordens para escapar das mãos do ser-estrela. Los deu um urro e, por um instante, ficou livro dos ataques. Então eu pus tudo a perder, pois a curiosidade me forçou a procurar o garoto acima de nós. A uruguia voltava, mas eu pude ver o menino usando a armadura térmica como uma falsa asa para planar no céu. E Los me observava, naquele instante.

Senti o olhar de Los em mim. Olhei para baixo e ele me fitava, com olhos flamejantes. O ataque o distraíra momentaneamente, mas ele havia me percebido, agora.

Eu estaria alto o suficiente para escapar de seu urro? Pensei, tarde demais, que deveria ter trazido duas armaduras para mim.

O monstro parecia tomar fôlego. E eu pude perceber que ele abria a boca, com um leve sorriso. Certamente, devia ter percebido a chave em minhas mãos. E parecia se sentir seguro o suficiente para me dar a certeza de que eu morreria carbonizado.

Era a hora! Los havia percebido o plano. Mas todos os mágicos estavam prontos! Comecei a gritar palavras mágicas e todos me seguiram. Los abriu a boca.

Los abriu a boca. Fechei os olhos. Ouvi então um brevíssimo rugir e tudo ficou quieto. Uma lufada de ar quente me atingiu, fazendo com que eu subisse mais. Los não se movia.

Los não se movia! Ordenei aos arqueiros que parassem o ataque e olhei para cima. Viramundo subia no céu, levado pelo ar quente do início do urro de Los. Olhei para trás e para baixo e vi a linha de mágicos. Todos estavam concentrados, seus cubos abertos em direção ao monstro, suas faces retorcidas pelo esforço. Percebi que o encanto não duraria muito tempo: a luz que saia dos cubos em direção a Los ficava a cada instante mais fraca. Olhei para cima: seria o suficiente?

Borboreal - Cap. 32

Fazia frio tão alto no céu. A armadura térmica me protegia, por enquanto. Era difícil respirar, também. Mas eu continuava agarrado à chave-lança, enquanto me equilibrava em Tula.

Lá do alto, eu pude distinguir Los, embora não conseguisse olhá-lo diretamente. Era imenso: as grandes árvores da floresta sempre-viva deviam bater-lhe abaixo da cintura.

Mas eu estava bem mais alto. Só me questionava se seu urro chegaria tão alto, se poderia machucar Tula - eu deveria ter trazido uma armadura térmica para ela! Preocupava-me comigo, também, é claro.

Vi formigas começarem a se agrupar diante das tendas. Deviam ser os crocofantes. Perguntei-me se eles já sabiam de minha 'fuga'. Achei que sim, pois os crocofantes começaram a avançar - um número espantoso deles - a toda velocidade. E Los ainda estava próximo ao portão.

O que planejava a rainha?

Que falta faz um rádio de ondas curtas nas costas de Tula...

Pedi à minha uruguia que parasse de voar em círculos e começasse a se aproximar do portão. O vento era forte e a ajudava. Também me ajudaria, na hora certa. Eu havia treinado durante tantas noites, escondido, jogando-me das árvores...

Peguei o olho de jaguarade no meu bolso. Os batalhões atravessavam os campos que separavam a tenda do portão e se aproximavam de Los. O ser-estrela já havia percebido alguma coisa. Pôs sua mão escaldante no chão, devia senti-lo vibrar.

Agora, os cornocorpóreos começaram a sair da floresta e ir em direção ao portão. As árvores começaram a disparar projéteis que, ao atingirem Los, se desfaziam em fumaça.

Pedi a Tula que se apressasse e ela bateu as asas com toda força. Mas eu senti seu medo.

A que distância estávamos? Seria perto o suficiente?

Implorei a ela para continuar. Brava Tula, vencendo seu medo por mim.

Lá embaixo, os cornocorpóreos enrolavam-se sobre o próprio corpo e jogavam-se embaixo dos pés de Los, num ataque suicida. O monstro gritava ao pisá-los, perdia o equilíbrio, mas logo se aprumava. Em seguida, o primeiro batalhão de crocofantes - estes, obviamente, vestiam armaduras térmicas - começaram a atacá-lo. Subiam-lhe pelas pernas e mordiam. Los espremia-os entre os dedos.

O ser-estrela tomou fôlego e urrou. A força do calor jogou os crocofantes no chão. Nesse instante, os arqueiros de gelo já estavam posicionados: centenas de plurinogorfos espalhavam-se pelos céus e disparavam flechas congelantes, que deixavam marcas azuladas no monstro e aos poucos tornavam-se fumaça. Los urrou de novo, mas achei que, dessa vez, era de dor.

Agora já estava perto o suficiente.

Pedi a Tula que diminuísse a velocidade e voltasse para casa, em seguida. Abracei seu pescoço com força, beijei sua nuca.

E pulei no céu azul.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Borboreal - Cap. 31

Não consegui dormir, aquela noite. Era a excitação. Medo, também, confesso. Escrevi um bilhete com uma frase simples, endereçado aos amigos que havia feito: 'Seu' Josias, Prosfrus e a rainha Anácris.

Não sou príncipe, mas posso ser herói.

Peguei uma armadura térmica e alguma carne, para Tula. Depois, fui até a tenda principal. O guarda no portão acordou assustado - era muito cedo, estavam todos dormindo - mas, ao me ver, sorriu e relaxou. Eu tinha conversado um bom tempo com a rainha na noite anterior e disse a ele que havia esquecido algo na tenda. Ele me deixou entrar.

Peguei a chave - era mais pesada que uma lança, e nem um pouco flexível - e a apertei com força. Senti juntar-se ao seu peso o da responsabilidade pelo que eu estava fazendo. Mas eu era outro: não mais o menino covarde do começo da história! A lança pareceu brilhar por um instante, num brilho negro e pulsante.

Enrolei-a no cobertor que havia trazido e passei-a por debaixo da lona lateral da tenda. Rapidamente, sai - o guarda nem acordou - dei a volta e a peguei na relva.

E corri para fora do acampamento. Em direção à Tula.

Acordei com os gritos de Prosfrus. Era bem cedo, mas os batalhões já se agrupavam e saiam para a batalha diária com Los.

Ele me mostrou o bilhete com a letra engarranchada do menino.'Não sou príncipe, mas posso ser herói'. Um calafrio me atravessou a espinha. Corremos para a sala principal.

A chave havia sumido.

O guarda nos contou da visita de Viramundo à tenda, algumas horas antes.

Prosfrus gritava - Traidor! - mas tentei manter a calma. Juntar as peças do quebra-cabeça. A uruguia... Era tarde demais para impedi-lo. Talvez pudéssemos ajudá-lo.

Mandei Trestede chamar todos os magos, feiticeiros e bruxos que estivessem no acampamento, e que Prosfrus apressasse os batalhões para marcharem em direção ao portão. Todos que estivessem em condição de combater deveria ir para a batalha. Desejei que Viramundo fosse inteligente o suficiente para esperar a luta começar, o que distrairia Los.

Corri até o campo em frente às tendas e busquei o céu com um olho de jaguarade. Depois de procurar alguns instantes, achei a uruguia - tão alta que mal pude distinguir o menino em cima dela.

A uruguia voava em círculos. Ele esperava!

Os batalhões saíram apressados. Meu pequeno esquadrão de mágicos foi logo atrás, no lombo de crocofantes, carregando todo o tempo, luz e desejo que ainda tínhamos.

O céu começa a clarear. Estávamos nos aproximando de Los.