terça-feira, 30 de setembro de 2008

Crevatolf - Cap. 15

Naquela noite, resolvi tentar um encanto de detecção de magia. - Contou Bea.

Pedi a Trestede que me ajudasse e, assim que o sol se escondeu, fui até nossas reservas de ingredientes mágicos. Abri o tonel de luz, o elemento mais necessário para magias desse tipo e, para minha surpresa, ele estava quase vazio. Havia tão pouca luz lá dentro quanto na noite que nos cercava.

Aquilo me assustou. Corri para os outros tonéis. O de desejo ainda estava cheio, até o tampo, mas o de tempo também estava quase no final.

Trestede quis reunir imediatamente os mágicos, mas eu preferi conversar com Prosfrus e Gabel, primeiro. Queria incluir Prosfrus para melhorar o mal-estar da tarde.

Sentamo-nos em volta de uma fogueira e tentamos pensar.

- Há um sabotador... - sugeriu Trestede.

Prosfrus se inquietou:

- Conhecemos essas pessoas há muito tempo...

- Também conhecíamos os humanos... - reagiu Trestede. Prosfrus se calou.

Mas Gabel (eu ainda não sabia de seus sonhos) tinha outra teoria:

- Alguém pode estar influenciando, corrompendo nossos aliados.

- Quem? - perguntou Trestede. - E como?

- A Morte? Através dos sonhos? - Gabel respondeu, inseguro.

- Você acha que a Morte está tentando fazer o mesmo que Los? - perguntou Prosfrus.

- Vamos com calma... - interveio Trestede. - A Morte não tem interesse em outro reino, ela tem o reino dela...

A discussão se acirrou. Eu coloquei panos quentes, desviando o assunto para o roubo de suprimentos. Agora sei que deveria ter prestado mais atenção. Mas, naquele dia, achei que Gabel se deixara levar pela imaginação.

domingo, 28 de setembro de 2008

Crevatolf - Cap. 14

Naquele momento fui tragado de volta ao mundo desperto pelos gritos de uma discussão. Os mágicos disputavam entre si sobre quem deveria se encarregar das provisões de luz, tempo e desejo que trazíamos. Eram como crianças, se acusando e, aos poucos, nos acusando de privilegiar um ou outro.

- Você ficou entre os dois príncipes por toda a viagem!

- Sim! Porque eles me preferem e confiam em mim!

- Isso é ridículo! Porque você os bajula todo o tempo! E tenho certeza de que os está espionando!

Nesse ponto, começaram a se empurrar e Bea teve que interceder. Mas nem houve tempo de acalmarmos os nervos, pois ouvimos os cornocorpóreos guinchando.

Tinham fome. Os crocofantes haviam avançado em sua comida durante a noite.

Percebemos que, após a partida dos humanos, ninguém havia lembrado de alimentá-los. Os plurinogorfos reclamaram da nova tarefa: não eram sua montaria. Os crocofantes se irritaram: não eram apenas montarias!

Bea me chamou a um canto, puxando também Trestede.

- Há algo errado aqui...

Lembrei imediatamente do homem nos meus sonhos, mas não tive coragem de dizer nada. A imagem do gigante, em minha mente, parecia frágil, esvaindo-se, como é comum ao despertar.

- Acha que é algum tipo de feitiço? - Trestede perguntou.

Antes que Bea pudesse responder, percebemos que Prosfrus nos olhava ao longe. Nós o chamamos, mas ele virou as costas e juntou-se ao grupo dos plurinogorfos que alimentavam crocofantes e cornocorpóreos.

- Seja lá o que for, parece estar afetando Prosfrus também... - eu concluí.

sábado, 20 de setembro de 2008

Crevatolf - Cap. 13

No sonho, eu estava sozinho em frente a um imenso muro que se estendia até se perder de vista. Atrás de mim, sons de guerra me davam a impressão de perigo constante. Cada um dos que nos acompanharam ao sair da cidade de metal estava agora morto.

Mas, no sonho, eu achava que minha irmã ainda estava viva, só que do outro lado do muro.

Eu tentava achar uma passagem. Cravei as unhas na terra cinzenta que cobria o muro até que minha mão estivesse coberta de sangue.

E a guerra chegava, cada vez mais perto.

Então, ouvi o som de música. Ela vinha do outro lado do muro. Lá estava um homem com um longo casaco marrom avermelhado. Ele era muito alto - gigantesco, mesmo - e um grande chapéu cobria sua cabeça.

Eu podia vê-lo, através do muro, mas não podia alcançá-lo.

Ele levantou a cabeça e olhou em meus olhos. E eu soube que as cordas do instrumento que ele tocava eram feitas dos cabelos de minha irmã.

Ele sorriu para mim, e seus dentes eram amarelos como gemas de ovos.

- O que você quer? - ele me perguntou, depois de um silêncio no qual senti crescer meu ódio por ele.

- Quero minha irmã! - respondi, aos gritos.

- Desculpe, eu não consegui ouvi-lo... - ele respondeu, sarcástico, e meu ódio aumentou.

Ao seu lado, agora, estavam os homens que haviam nos abandonado. Em pé, olhando para mim e, ainda assim, mortos. Não havia nenhuma vida em seus olhos.

E quando todos eles sorriram para mim, seus dentes eram amarelos como gemas de ovos.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Crevatolf - Cap. 12

Gabel tomou a palavra:

- Conheço essa parte da história melhor que você. - disse à irmã.

Seguimos por cerca um mês, utilizando trilhas antigas que Prosfrus e Trestede conheciam bem. O clima ficava cada vez mais úmido, à medida que nos encaminhávamos para a parte central do planeta. O primeiro impacto que percebemos foi a moral de nosso grupo: quando saímos da cidade de metal, os soldados pareciam dispostos a ir para guerra, animados com a perspectiva de fazer parte da História. Mas, à medida que escalávamos o planeta, começaram a surgir reclamações. O desconforto das acomodações, o gosto da comida, as montarias.

Por fim, numa manhã, quando levantamos acampamento, percebemos que dois crocofantes estavam sem seus humanos. Eles haviam desertado durante a noite.

Prosfrus foi duro com a memória dos homens. Diminui-os e achincalhou-os. Para sua surpresa, os outros homens evitavam olhá-lo. Suas expressões eram frias e de desagrado. Os outros plurinogorfos perceberam e começou uma discussão séria, selvagem, que não custaria muito a passar para o ato físico...

Trestede, com sua habitual diplomacia, conseguiu, enfim, interromper a discussão e deu a palavra aos homens, para que dissessem o que os desagradava.

- Não sabemos se acreditamos nas profecias... - disse um jovem ruivo, que parecia ter tomado a liderança dos humanos. - Não sabemos quem é o verdadeiro rei de Paraíso. O passado é história. O verdadeiro rei é quem está sentado no trono.

Não pude ficar quieto:

- Não é só uma questão de direito. - eu argumentei - TayFor quer reinar sozinho, enquanto que nossa família sempre ouviu e respeitou a voz de todos.

- Ele não governa sozinho! - disse o ruivo - Apenas sem vocês, o que é completamente diferente. No mais, o que aconteceria se alguém quisesse se tornar rei? Vocês o ouviriam? Deixariam o trono, se essa fosse a vontade da maioria?

A discussão recomeçou e seguiu por horas. Seu término cindiu o grupo: os 27 soldados humanos que partiram conosco da cidade de metal abandonaram o grupo para se unir aos exércitos de TayFor, com nossa anuência. Os 23 plurinogorfos e os 5 mágicos continuaram conosco, assim como os crocofantes e os cornocorpóreos.

Naquela noite, sonhei pela primeira vez com o homem com chapéu de abas largas.

domingo, 14 de setembro de 2008

Crevatolf - Cap. 11

Uma semana levaram os preparativos para a viagem. Foi uma semana tensa para todos. Dois crocofantes foram selecionados, dentre os mais robustos, para nos auxiliar com as provisões. TayFor havia nos dado uma bandeira para que mostrássemos a qualquer de suas patrulhas que nos interpelasse, dentro ou fora dos muros.

- Mas não posso garantir que ninguém dentro dos muros respeite a minha palavra... - disse o primeiro vizir.

Assim, antes do amanhecer do oitavo dia, o grande portão de metal se levantou e saímos em comitiva. Trestede e Prosfrustrede nos acompanharam, assim como Fedoes. Além dos três, vieram cerca de 50 soldados, entre humanos - montados em crocofantes - e plurinogorfos - que cavalgavam cornocorpóreos. Carregavamos bom estoque de desejo, luz e tempo, que poderiam ser usados por mim, por Fedoes ou por alguns dos 5 outros mágicos que vieram conosco.

Apesar de querermos acreditar na palavra de TayFor, ficávamos em vigília, preparados para nos defender. Tínhamos um observador constante, que deveria voltar para a cidade de metal imediatamente, se fóssemos atacados: era Tula, a uruguia que havia conduzido Viramundo em sua vitória no portão de Borboreal.

Naquele instante, Hopo olhou para o céu. Lá estava ela, sobrevoando suas cabeças, tão alto que parecia uma minúscula cruz negra cortando o branco espaço do Sul de Paraíso. Eles já se conheciam e o metagorfo devia a vida à uruguia. Sorriu ao pensar que havia sido salvou por uma verdadeira heroína, e não por uma ave covarde e estúpida qualquer.

O frio ainda castigava o quarteto, na neve lá embaixo. Hopo não tinha idéia de que, ao saírem da cidade de metal, eles eram tantos.

Quando se conheceram, eram apenas Bea, Gabel e Tula. Ele entendia que a Zona Murada podia dizimar exércitos inteiros, mas não queria acreditar que todos aqueles heróis que tinham enfrentado Los e feito parte da história haviam...

Não teve coragem de completar o pensamento, muito menos de expressá-lo. Melhor era ficar quieto. E deixar Bea continuar a história.

Avançamos pela floresta sempre viva, observando as barracas do exército de TayFor se aproximarem. Fomos vistos pelos vigias nas torres e o ar se encheu com os sons altos, graves e fanhos dos didgeridoos.

Quando, enfim, saímos da floresta, todo o exército inimigo estava perfilado, deixando caminho para que passássemos. Trestede segurava o estandarte com a bandeira de paz bem alto, e notei que sua mão tremia com o estresse. O corredor nos levou até Pito, que estava em pé, próximo à barraca principal. Ele nos saldou e retribuímos. Percebemos que ele estava escolhendo suas palavras:

- O... [pigarro]... O rei... - e nos olhou de soslaio, mas diante de nosso silêncio, continuou. - O rei deixou seu... - nova pausa, novo olhar desconfiado - ...seu castelo à disposição da comitiva... Caso vocês queiram passar por Éden a caminho do Sul.

Éden, a cidade onde nascemos. E o castelo que o metagorfo se referia era o castelo de meus pais. Mas mantivemos nosso silêncio.

- Já sabem que caminho farão?

- Prefirimos seguir por outras vias. - disse, com uma voz de trovão, Prosfrus. - E precisamos ir, pois temos um planeta a atravessar.

Foi quando me dei conta do fato: estávamos no extremo norte do planeta, próximos a Borboreal. Crevatolf ficava quase no pólo sul. Seria uma viagem longa.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Crevatolf - Cap. 10

O silêncio imperou duro por alguns momentos. Claro: a Morte até então era um conceito metafísico. Tínhamos nossas diferentes religiões e, de certa forma, a maioria de nós acreditávamos que 'a entrada da casa da morte' era uma metáfora. Eu mesma nunca havia pensado que ela teria uma casa, no sentido concreto da palavra.

Ninguém sabia como reagir. Grande parte de nossos aliados pensou que TayFor havia enlouquecido. Outra parte da população da cidade temeu que fosse uma armadilha. Uma história para minar nossas convicções.

Para mim e para Gabel, não mudava os fatos: queríamos e precisávamos ir ao portão. Mas o pensamento de enfrentar os mortos não era agradável, principalmente para Gabel, que havia morado na Terra, onde as lendas sobre mortos-vivos eram comuns.

Ou era uma farsa muito bem feita, ou TayFor e Amereida estavam realmente assustados, pois, quando exigimos que ela ficasse como refém, ela aceitou imediatamente.

O primeiro vizir relutou, mas acabou concordando. Ele confiava em nós mais do que nós nele. Os termos eram simples: ela seria solta quando estivéssemos de novo dentro dos portões. Ela seria bem tratada e nós teríamos salvo conduto até dentro dos muros.

Mas ninguém do lado de TayFor nos ajudaria. Nem que ele ordenasse. Ninguém de seu exército aceitaria voltar para o sul até que o portão estivesse fechado.

domingo, 7 de setembro de 2008

Crevatolf - Cap. 9

Os portões da cidade foram abertos e a pequena comitiva entrou. A maioria dos nossos aliados ficou boquiaberta ao ver o primeiro vizir, ali. Bumarunos foi o primeiro a dirigir a palavra a ele:

- Muito corajoso de sua parte vir aqui, posto que ainda não aceitamos sua trégua.

TayFor encarou o crocofante sem medo, mas respeitosamente.

- Há coisas mais importantes que nossa guerra, comandante. - ele disse - E a situação no sul é uma dessas, certamente.

Os três foram guiados até o túmulo de Viramundo, que o primeiro vizir observou com curiosidade. Não conhecera o herói, mas admirava seus feitos. Observou seu rosto infantil, através do vidro que cobria o túmulo, sob o pedestal. Disse uma palavra que quase ninguém ouviu.

Mas o crocofante, que estava ao seu lado, escutou-a e surpreendeu-se. Mais tarde, Bumarunos nos contou: a palavra do primeiro vizir fora "obrigado".

TayFor parecia realmente cansado. Perguntei-me se era da guerra ou do poder. As histórias que ouvíamos a seu respeito, de antes do golpe, mostravam-no como um homem justo e humilde. E, longe do palácio de Paraíso, era assim que ele se portava.

E, no entanto, isso não mudava o fato dele ter usurpado o trono e tentado matar minha mãe.

Sentamo-nos, todos. No círculo central, TayFor e a esposa estavam frente a frente com Bumarunos, Fedoes, Prosfrustrede e Trestede. Logo atrás do casal, sentou-se Pito. Meu irmão e eu sentamos um pouco mais distantes, mantendo nossa identidade incógnita: éramos apenas mais dois humanos misturados à multidão.

As negociações começaram. Trestede expôs nossas condições e TayFor expôs as dele. Nessa hora, vi o brilho da cobiça voltar a seu olhar. Ele se recusou a falar sobre devolver o trono ou sobre o fim da guerra. Mas afirmou que não havia mais exércitos seus no sul que pudessem ser usados contra a cidade de metal.

- Não há mais nada lá. Muramos toda a região e temos alguns postos de vigia. Ainda há luta entre alguns poucos batalhões que permaneceram dentro dos muros... Mas nenhum deles vai ser fiel a mim, depois de levantarmos as paredes e prendê-los lá dentro... E duvido que algum deles ainda mantenha sua sanidade mental...

- Afinal, o que está acontecendo lá? - perguntou Prosfrus.

- Tem a ver com o portão... - disse Amereida, numa voz doce que contrastava com a firmeza da voz do marido. - O portão da casa da morte...

- Não sabemos ao certo... - disse o primeiro vizir. - Mas a nossa conclusão foi que...

Ele refletiu, algum tempo, ponderando sobre o que ia dizer.

- Os mortos escaparam do reino da morte pelo portão aberto...

sábado, 6 de setembro de 2008

Crevatolf - Cap. 8

Reunidos na praça em frente ao túmulo de Viramundo, os moradores da cidade de metal cochichavam entre si, enquanto uma imensa expectativa enchia o ar. Prosfrus e Trestede ficaram conosco, tentando fazer o papel de 'advogado do diabo' frente à nossa certeza do que deveria ser feito.

- A questão não é simplesmente ir até lá. Precisamos pensar no depois. - afirmou Trestede. - Se o primeiro vizir puder deslocar todo seu exército para cá, será que temos chance?

- Eu entendo o que você diz... - meu irmão ponderou. - E, no entanto, até quando ficaremos nesse impasse? A ida até Crevatolf não é simplesmente para fechar o portão. Algo mais deve acontecer. Vamos encontrar nosso pai...

- As profecias não são exatas... - disse Prosfrus. - E se o primeiro vizir estiver manipulando as coisas em direção a outro fim?

- A alternativa - eu ponderei - é ficar aqui, sentado em cima do traseiro, esperando algo que não aconteceu nos últimos três anos e não vai acontecer, pois as condições não vão mudar. Mesmo que saiamos às escondidas, assim que o portão for fechado o primeiro vizir vai saber.

- Então não feche o portão... - sugeriu Prosfrus. - Retorne com seu pai mas deixe a situação como está. A profecia não diz que é necessário fechar Crevatolf. Diz apenas que 'os portões vão estar de novo sob controle'.

- E, no meio tempo, vamos exigir do primeiro vizir algo que ele ame, como garantia de que vocês não serão feitos prisioneiros ou coisa que o valha, até que retornem...

Assim, naquela noite, transmitimos nossas idéias ao povo reunido na praça,que foi aceita por unanimidade.


Três dias depois, a floresta abriu caminho para três pessoas: Pito, o metagorfo, vinha acompanhado do primeiro vizir e de sua esposa, Amereida. Os cabelos da humana eram tão longos que se arrastariam no chão, se não fossem protegidos pelo longo véu que trazia preso à cabeça.

Ela era cega, mas o primeiro vizir a conduzia como se fosse uma dança de salão: a mão direita dela por sobre a esquerda dele, os braços levemente estendidos à frente, passos sincronizados.

O primeiro vizir - TayFor era seu nome - cuidava para que nenhuma pedra atrapalhasse o caminho da amada, manipulando um grande cajado com a mão direita.

Era uma imagem bonita, os dois caminhando juntos. Transmitiu-me amor, se posso dizer. Não pude deixar de ter menos ódio de TayFor. E, ao olhar para Prosfrus, já sabia quem ele exigiria que ficasse conosco, como refém.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Crevatolf - Cap. 7

As coisas começaram a mudar quando soltamos o bugrerão. Percebemos que ele não tinha condições de lutar e que era seriamente perturbado. Gritava ao ficar no escuro e se recusava a tocar qualquer coisa suja. A maior parte do tempo, chorava, suplicando por paz. Mas temia a morte acima de qualquer coisa e ao ouvir a palavra, choramingava "eu não quero voltar, eu não quero voltar!". Nos poucos momentos de lucidez que teve enquanto era nosso prisioneiro, pediu para ir para casa, morar com a filha.

Nosso coração falou mais alto e acabamos deixando-o partir.

Um mês depois, um pequeno metagorfo foi trazido à cidade, com o selo dos mensageiros estampado no corpo. Ele queria saber se era verdade que os príncipes haviam voltado para Paraíso e, caso fosse, o primeiro vizir desejava uma trégua para falar com eles.

A cidade se reuniu. Bumarunos, um crocofante pesado e velho, que comandara diversas esquadras nas batalhas em Borboreal, foi o primeiro a falar. Seu couro já havia perdido o verde e se tornado cinza prata e, da imensa boca, os dentes irregulares mostravam-se gastos.

- Minha sugestão é que façamos ensopado de metagorfo... - disse, zombeteiro, fazendo os crocofantes gargalharem e o pequeno metagorfo, cujo nome era Pito, estremecer. Fedoes, um humano que parecia ser o porta-voz dos mágicos, acalmou Pito, mas indagou os motivos do primeiro vizir.

- O rei quer... - começou a responder Pito, e não conseguiu mais falar. Agora, o ódio era real e qualquer bom humor se transformou em vaias, gritos e ameaças. O primeiro vizir não era rei de Paraíso. Bumarunos exigiu que, a partir daquele momento, Pito se referisse a ele como 'o usurpador'. E Pito não teve escolha, senão acatar.

- O 'usurpador' - disse, temendo sua própria voz - quer negociar uma trégua para que os príncipes possam fechar Crevatolf...

E isso era tudo o que o mensageiro sabia.

- Volte em três dias - disse Fedoes (e era engraçado o conceito de dia, posto que naquela parte do fim do mundo, e sob influência de Borboreal, não tínhamos realmente uma noite...; mas sabíamos que Fedoes se referia a três períodos de vigília-descanso...) - e lhe daremos uma resposta.

Enquanto o metagorfo desaparecia na floresta, sempre parecendo apavorado, eu olhei para meu irmão e sabíamos o que defenderíamos: a trégua era necessária para que a profecia se concretizasse e o primeiro vizir também sabia disso. Era um jogo complicado, onde metade das cartas estava na mesa. E a outra metade escondida nas mangas...

Crevatolf - Cap. 6

A primeira pessoa que conhecemos, ao chegar em Paraíso, foi Prosfrustrede. Ele e Trestede nos mostraram toda a cidade, que é banhada pelas luzes de Borboreal. Com suas diversas partes de metal polido, a cidade reflete as multicores do portão fechado, transformando todos os lugares em vitrais coloridos.

Bem no centro da cidade, ao lado de um regimento de plurinogorfos e guardada por oito crocofantes, está o túmulo de Viramundo, no qual se escreveu "Esquecido pelas profecias, nunca pelos amigos".

Abaixo dele, sabíamos que nossa mãe estava cristalizada no tempo, esperando por uma cura improvável.

A cidade era bastante militar: não havia comércio e os diferentes seres que ali habitavam eram remanescentes da batalha final contra Los. A floresta sempre-viva cercava toda a cidade, estendendo-se por um bom território (como conseguíamos ver de cima da muralha da cidade). Mas, com ajuda de olhos de jaguarade, era possível ver um exército ainda mais vasto acampado, impedindo a floresta de avançar.

Magos lançavam imensas bolas de fogo nas árvores e apodreciam o solo para que nada nascesse ali. Os cornocorpóreos se embrenhavam na floresta, tentando fugir das esquadras de bugrerões e corcoromeis que os caçavam por entre os troncos. Um equilíbrio havia se imposto: nem o exército do primeiro vizir conseguia avançar, nem as árvores.

Assim, relativamente a salvo, recomeçamos nosso treinamento, e foi dessa forma que passamos três anos. Ao mesmo tempo em que aprimorávamos nossas habilidades, buscávamos uma forma de sair cerco e seguir para o único destino que parecia certo: Crevatolf, o portão onde o desejo vira delírio...

Era raro termos notícias do que acontecia no Sul, sitiados como estávamos. Tudo o que sabíamos veio através de um bugrerão louco que foi capturado na floresta pelos cornocorpóreos.

O bugrerão viera a pouco tempo do sul. Sua bocarra vivia aberta, deixando exposta as diversas fileiras de dentes. O couro que revestia seu corpo, em geral brilhante nos seres da espécie, era opaco e úmido, como se suasse a frio todo o tempo.

Não conversa direito e seu olhar buscava repetidamente o chão, atrás de movimentos ocasionais de folhas levadas pelo vento. Ainda assim, soubemos que o primeiro vizir tinha muitos problemas no Sul. Talvez por isso não atacasse a cidade com todas as forças. O bugrerão se referia à loucura podre que invadira a região.

E tinha pânico ao se lembrar da poeira desejante...

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Desculpem a nossa falha

Estou com labirintite, por isso não estou conseguindo atualizar a história. Volto em breve, assim que as coisas pararem de rodar.

Abraços,

Augusto Galery