terça-feira, 26 de agosto de 2008

Crevatolf - Cap. 1


Hopo pousou na traseira do crocofante, tentando se equilibrar no escasso lugar deixado pelo casal de meninos. O frio o castigava e o vento enchia seus olhos de lágrimas, que se congelavam mal escorriam pela penugem da face. O pequeno metagorfo recolheu as asas e adaptou suas garras para melhor o fixarem no lombo nodoso e áspero do semi-paquiderme. Fechou os olhos, mas o reflexo branco das planícies cobertas de neve continuou visível, forçando-o a apertar bem as pálpebras para conseguir um pouco de escuridão.

Bea e Gabel se espremiam um ao outro, tentando diminuir o frio. O crocofante acompanhava os vales das dunas de gelo, buscando não se cansar com as subidas e descidas. A estratégia, no entanto, colocava-os no caminho exato do vento constante e brutal que varria a planície gelada.

Gabel enfiava a cara entre os cabelos soltos da irmã, tentando proteger-se das baixas temperaturas. Ela agarrava-se à sela, que era revestida com pêlos de blufos e cujo cepilho alto protegia-a até o pescoço.

Hopo aproximou-se, devagar, do menino, literalmente moldando seu corpo ao dele. Gabel o enlaçou com uma das mãos e o espremeu junto a si. Sentindo que isso era uma permissão, o metagorfo soltou suas penas, substituindo-as por pêlos grossos e abundantes, e assumiu a aparência de um grande linguado peludo, envolvendo quase todo o corpo do menino.

O sol não se punha naquela parte achatada do mundo. A luminosidade refletida no branco da neve doía nos olhos, mas não trazia o menor conforto em termos de calor. ‘É um lugar de morte, sem dúvida...’, pensou Hopo.

Enfim, os contornos de um grande portão se delinearam no horizonte. Dois grandes pilares de pedra, que se engrandeciam à medida que o crocofante se aproximava, serviam de apoio para as duas grades que formavam o portal. Curvas no topo, as grades formavam um meio-círculo que recortava o céu.

Não havia muros.

Apenas o portão, escancarado, cravado no meio do gelo, com a planície cercando-o por todos os lados.

Mesmo à distância, puderam ler seu nome nas barras retorcidas: Crevatolf. O portão dos encontros, onde o Desejo tornara-se Delírio, diziam as velhas lendas.

A entrada da casa da Morte.

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