quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Crevatolf - Cap. 7

As coisas começaram a mudar quando soltamos o bugrerão. Percebemos que ele não tinha condições de lutar e que era seriamente perturbado. Gritava ao ficar no escuro e se recusava a tocar qualquer coisa suja. A maior parte do tempo, chorava, suplicando por paz. Mas temia a morte acima de qualquer coisa e ao ouvir a palavra, choramingava "eu não quero voltar, eu não quero voltar!". Nos poucos momentos de lucidez que teve enquanto era nosso prisioneiro, pediu para ir para casa, morar com a filha.

Nosso coração falou mais alto e acabamos deixando-o partir.

Um mês depois, um pequeno metagorfo foi trazido à cidade, com o selo dos mensageiros estampado no corpo. Ele queria saber se era verdade que os príncipes haviam voltado para Paraíso e, caso fosse, o primeiro vizir desejava uma trégua para falar com eles.

A cidade se reuniu. Bumarunos, um crocofante pesado e velho, que comandara diversas esquadras nas batalhas em Borboreal, foi o primeiro a falar. Seu couro já havia perdido o verde e se tornado cinza prata e, da imensa boca, os dentes irregulares mostravam-se gastos.

- Minha sugestão é que façamos ensopado de metagorfo... - disse, zombeteiro, fazendo os crocofantes gargalharem e o pequeno metagorfo, cujo nome era Pito, estremecer. Fedoes, um humano que parecia ser o porta-voz dos mágicos, acalmou Pito, mas indagou os motivos do primeiro vizir.

- O rei quer... - começou a responder Pito, e não conseguiu mais falar. Agora, o ódio era real e qualquer bom humor se transformou em vaias, gritos e ameaças. O primeiro vizir não era rei de Paraíso. Bumarunos exigiu que, a partir daquele momento, Pito se referisse a ele como 'o usurpador'. E Pito não teve escolha, senão acatar.

- O 'usurpador' - disse, temendo sua própria voz - quer negociar uma trégua para que os príncipes possam fechar Crevatolf...

E isso era tudo o que o mensageiro sabia.

- Volte em três dias - disse Fedoes (e era engraçado o conceito de dia, posto que naquela parte do fim do mundo, e sob influência de Borboreal, não tínhamos realmente uma noite...; mas sabíamos que Fedoes se referia a três períodos de vigília-descanso...) - e lhe daremos uma resposta.

Enquanto o metagorfo desaparecia na floresta, sempre parecendo apavorado, eu olhei para meu irmão e sabíamos o que defenderíamos: a trégua era necessária para que a profecia se concretizasse e o primeiro vizir também sabia disso. Era um jogo complicado, onde metade das cartas estava na mesa. E a outra metade escondida nas mangas...

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