domingo, 18 de maio de 2008

Mata Verde - Cap. 14

O tempo começou a passar lento. Ricardo entrou num estado de estranhamento com o mundo. Eu o via deitado ao lado de Maria Fé, com os olhos esbugalhados, dormindo de forma picada, tentando encostar a mão na garota para ter certeza de não estar sozinho. Nos dias que se seguiram, pediu encarecidamente ao delegado que não retirasse as algemas que prendiam o casal. Precisava de tempo.

O passar lento do tempo me enchia de tédio. A essa altura, morta a tanto tempo, eu deveria já ter me acostumado à sensação de fome constante, mas não era bem assim. Eu tinha ódio do fato de ser mantida presa naquela cidade. Numa cidade grande, é inevitável que alguém fique sozinho. Não há como impedir.

Mas numa cidade pequena e perdida como Mata Verde, estava sendo possível. Os descuidos eram tão raros! (Antes do pequeno Pinheiro, eu não me alimentava há mais de 3 anos!). Houve um tempo, no começo de tudo, em que eu me chafurdava em almas. Ah, que lembrança boa! A cidade ainda não me conhecia. Demorou alguns meses para eles entenderem que não podiam ficar sozinhos. E mais alguns meses para todos se convencerem. E ainda outros para eles descobrirem que não podiam deixar a cidade. Lembro-me bem quando eles tentaram sair em grandes grupos, pensando que era assim, simples, me evitar! Que festa eu fiz! Quinze, vinte pessoas de uma vez! Todas com os olhares saltados ao me ver, soltando fogo pelas ventas ao respirar, minhas mãos de dedos compridos indo atrás de gargantas horrorizadas. Ganhei o apelido de Carapanã, depois disso, o que não achei muito lisongeiro, mas melhor do que Chupa-cabra...

Durante muito tempo, a cidade ficou catatônica, como o pequeno Victor. Mas aos poucos começou a se adaptar. Tenho que admirar isso nos seres humanos: são capazes de se adaptar a tudo! Depois de alguns anos, seu dia-a-dia foi se modificando, os modos de trabalho, as rotinas, até leis eles criaram e modificaram para conviver comigo. Depois de cinco ou seis anos, eles até voltaram a ter filhos! Fico impressionada... Mas eu me lembro como é estar viva e posso afirmar que eu também me adaptava muito bem ao mundo.

Só não consegui me adaptar tão bem à minha morte...

Um comentário:

Unknown disse...

O episódio de Supernatural de ontem falava sobre um demônio que atraia as pessoas para lugares solitários e sugava as suas almas!