segunda-feira, 26 de maio de 2008

Mata Verde - Cap. 16

Não chegou a ser feliz minha curta estada em Quilombo do Sapé. Mas foi tranqüila. O problema é que viver em sociedade me incomodava. Eu me sentia observada e mal-quista por todos, mesmo quando faziam esforços genuínos para me aceitar. Terminei por abandonar a cidade numa noite escura. Fui seguir vagalumes e deixei a gorda velha, de quem não consigo me lembrar o nome, para nunca mais.

E, no entanto, eu me sentia solitária. Não queria todos nem nenhum, queria um. Mas só o conheci depois de morta. Eu sabia sobreviver das matas e tentei me embrenhar por elas e evitar todo agrupamento de gente. Ficava na beirada dos rios esperando meninos irem se banhar sozinhos. Tentava amá-los atraindo-os para o meio das águas, o que me valeu o título de Uiara.

Alguns morreram por minha causa, tentando fugir em pânico de minha presença. Mas nunca consegui afeto. Continuei me embrenhando, envelhecendo, me consumindo de vazio de alma e, aos poucos, fui ficando vingativa. Não contra alguém em particular, mas contra o fato do mundo ser tão sozinho. Nem era amor que eu exigia, mais. Acho que perdi minha alma, nessa época. Ficou apenas o rancor e a carne desejosa.

Acho que foi isso que me atraiu para ele. Mas o fato é que só depois de morta meu corpo foi desejado.

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