sábado, 5 de julho de 2008

Borboreal - Cap. 18

Quando o grito cessou, nós dois olhávamos para o chão. A atenção de 'Seu' Josias fixava-se no corpo do corcoromel, vazando gosma. O meu olhar simplesmente estava caído. Não se fixava em ponto algum. Buscava ver, no espaço entre mim e o chão, o tamanho de minha desilusão.

- Isso foi... Incrível... - disse o homem do saco, e realmente parecia não crer em seus olhos. Cutucou com os pés o pequeno monstro inerte e voltou seu olhar para mim.

Sua voz transmitia agradecimento. Ele sabia que eu salvara sua vida.

- E você devia ser meu guarda-costas... - eu disse, com um sorriso apagado. Ele sorriu de volta e me abraçou. No calor e aconchego, deixei minha desilusão fluir e ela ensopou a camisa de 'Seu' Josias.

- Há alguma coisa que eu possa fazer por você? Quer dizer, eu imagino que você nem queira mais ser meu amigo. Eu te usei e pus sua vida em risco... Como eu posso compensar? Mesmo que minimamente.

A voz dele era cheia de arrependimento. Senti que ele gostava de mim. Éramos mesmo amigos.

- Para ser sincero, eu acho que acreditei que não seríamos descobertos, aqui. Eu não achei que fosse um risco real... - ele continuou. E pediu desculpas várias e várias vezes.

- Por que você acha que ele atacou você e não eu? Acha que ele já sabia que eu não era o príncipe? - eu perguntei.

- Certamente ele sabia. Deve ter te seguido depois de matar Ostrede e ouviu nossa conversa.

- Você acha que o príncipe está bem?

- Preciso saber...

Acompanhei 'Seu' Josias até o telefone público mais próximo. Ele ligou para alguém, mas eu não escutei a conversa. Em seguida, ele me disse que o príncipe estava bem e que iam mudá-lo de planeta.

- Você vai embora, então?

- Vou... - ele disse, com voz triste. - Mas ainda devo ficar um ou dois dias, até decidirem para onde vamos...

- Hong Kong...

- Não... Hong Kong ainda é na Terra. Acho que eles vão...

- Eu queria conhecer Hong Kong.

Olhei para o plurinogorfo o mais inocente que pude. Ele cairia nesse golpe?

- Eu queria participar da mágica só uma vez. Ter essa sensação. Podemos ir para Hong Kong? Voltamos amanhã. Ou hoje a noite!

Ele ficou tão animado! Era como se visse a oportunidade de redenção por ter me enganado. Eu cheguei a me sentir envergonhado e quase desisti da idéia, mas foi mais forte que eu.

- Para viajar, basta aproveitar um pouco de luz, que tem grande velocidade. Um pingo de tempo é mais que o suficiente para irmos a qualquer lugar. Estaremos em Hong Kong em um piscar de olhos.

- E o desejo? - perguntei.

- Bom, parece que você tem desejo suficiente aí! - ele sorriu, vendo meu rosto se alegrar - Coloco um pouco de desejo manipulável e só é necessário que você o molde através do seu próprio desejo.

Ele abriu o saco e pegou um cubo, parecido com o que tinha me dado meses atrás e que continha fadas. Em seguida, pegou uma lâmpada parecida com aquelas velhas lâmpadas que contém gênios. - Luz! - ele exclamou, virando a lâmpada dentro do cubo, do qual ele havia aberto uma das faces. Uma pequena chama escorreu da lâmpada e ficou no centro do cubo, flutuando.

Em seguida, pegou uma ampulheta, agitou sua areia e deixou que três grãos caíssem na chama, por uma pequena torneira na base do objeto.

- Tempo! - Ele disse. Por fim, pegou um objeto estranho, que parecia mudar de forma todo o tempo. Ele deixou que eu segurasse o objeto e sua consistência era estranha. Parecia carne crua. Achei aflitivo e devolvi para ele.

Ele coçou o objeto com a unha e um pequeno orifício se abriu. Senti cheiro de enxofre enquanto ele enfiava uma agulha dentro do estranho saco, que saiu molhada de um líquido parecido com geléia de morango.

Ele colocou a agulha no centro da chama e fez diversos movimentos, alinhando os grãos de tempo e moldando a chama com a agulha cheia de desejo. Por fim, fechou a caixa.

- Agora, eu seguro em você e você deseja ir para Hong Kong. E, quando estiver pronto, eu te passo a caixa, ok?

Eu estava pronto. Peguei a caixa da mão dele e o mundo desapareceu.

Foi rápido. Não foi imediato, como eu pensei que seria. Tudo ficou escuro e eu posso jurar que vi passar o final de nosso universo. Acho que se a distância fosse menor, seria instantâneo.

Mas viajamos para outro universo.

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