quinta-feira, 24 de julho de 2008

Borboreal - Cap. 28

Era uma guerra, aquilo! Tanta carne espalhada, carbonizada, imprestável. Tínhamos que lutar por um pedaço decente.

Eu era pequena. Assustava-me os bicos ferozes de minhas primas ao lutar pela carne fresca e sanguinolenta dos plurinogorfos caídos. Batiam-se como em batalha. E tudo só pelo prazer de lutar. Não conseguíamos acabar com toda a carne no chão, mas as maiores nos forçavam a brigar por ela.

Fui escorraçado mais uma vez. Estava faminta. Era pequena...

Vaguei pelo campo, aos pulos, desajeitada no chão. Nas alturas, eu era soberba! Mas no chão me sentia atrapalhada, fora do ambiente... As carnes eram vigiadas, não havia como evitar a luta. Mas eu estava machucada, me sentia mal e faminta.

Não acreditei quando vi o plurinogorfo na beira da floresta. Ele estava ali, antes? Como é que ninguém o tinha visto? Fingi não vê-lo, também. Andei para um lado e para o outro, como se procurasse alguma coisa, mas sempre me aproximando das árvores. Cada vez mais perto da carne estraçalhada no chão.

Então, a fome me ganhou. Esqueci a precaução, certa de que conseguiria apanhar alguns bocados de carne antes que uma de minhas primas grandes chegasse para lutar por elas. Voei até lá, descuidada, inocente.

Meu corpo doía de ficar nos galhos. Eu vasculhava o campo com o olhar e as horas passavam até que uma uruguia começou a se aproximar. Rápida como um raio. O bico aberto em direção a Prosfrus. Quis avisá-lo, mas alertaria a uruguia. Ele tinha que estar pronto para o papel dele. Se eu não estivesse, ele me daria uma bronca. Então ele precisava estar!

Faltava pouco! Muito pouco! Abri meu bico salivando ao pensar no suco vermelho e no músculo fibroso! Então a coisa se mexeu! Tentou me agarrar! Estava viva! Era uma armadilha! Bati as asas com força, me afastando rapidamente do chão e daquele plurinogorfo que aos poucos assumia suas feições normais.

Ela subia! Olhando para baixo, o pássaro subia em grande velocidade! Em minha direção.

Acelerei meu tempo e a vi diminuir a velocidade. Três metros. Dois. Passei os dedos pelas alças da armadura térmica. A uruguia me parecia enorme. Eu não tinha como errar.

Então eu o senti. Caiu em minhas costas vindo do nada. Era leve e macio, mas se agarrou em mim com força e determinação. Girei a cabeça e encarei-o.

A ave girou a cabeça e me encarou. Olhei para ela, assustado e, acho que por pura falta de graça, sorri. Vi o medo nos olhos dela.

No princípio, achei o humano simpático. Mas então ele arreganhou os dentes para mim. Um arrepio gelado atravessou minhas penas. Voei mais alto, me joguei para os lados, mas ele continuava lá. Em pânico, resolvi pedir ajuda. Comecei a voar em direção ao campo onde minhas primas se encontravam.

Mas, no meio do barulho do vento e do palpitar do meu coração, eu ouvi uma música. O humano cantava.

Não sei da onde tirei a idéia. A uruguia parecia apavorada e eu quis acalmá-la. Eu confesso que tinha muito medo. Estávamos muito acima das árvores. E ela voltava para o meio do campo. Não estou certo de que eu não pareceria apetitoso para as outras uruguias. Eu precisava acalmá-la.

Olhei para o humano, novamente. Ele parecia tão assustado quanto eu. Senti pena. As outras uruguias o matariam, facilmente. E eu seria ridicularizada. Nunca mais conseguiria comida.

Eu já era uma pária. Considerada covarde. E a voz do menino era doce, amiga.

E não é que o garoto caiu em cima da uruguia? Foi com um aperto no coração que eu a vi desaparecer nas alturas com ele nas costas. Não tive nem tempo de correr atrás e tentar alcançá-los.

Eles era um ponto escuro no céu.

Eu nunca mais veria o menino.

Onde é que eu estava com a cabeça?!

Sentei-me, tentando acompanhar os dois no espaço. Meus olhos se esforçavam para vê-los.

Mas agora eles pareciam crescer. Estavam voltando! Pela rainha, o menino havia domado a uruguia!

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