terça-feira, 17 de junho de 2008

Borboreal - Cap. 2

'Seu' Josias era um homem de pele estranha, escura mas de um tom diferente. Parecia sempre bêbado, a boca semi-aberta, os olhos semi-cerrados, o andar cambaleante. Não era necessário que ele fosse o homem do saco para que eu sentisse medo dele.

Ao voltar para casa da escola, eu tinha sempre uma decisão difícil pela frente: seguir pela Rua Aimorés podendo topar com o Trio Molequeza (que é como chamávamos os três pivetes que estavam sempre pela praça da Igreja da Boa Viagem e que gostava de tirar sarro dos 'burguesetes', como eles nos chamavam), ou seguir pela Bernardo Guimarães, correndo o risco de encontrar 'Seu' Josias. A decisão variava com meu comportamento na escola: se eu não tivesse brigado e fizesse o para-casa, preferia a Bernardo Guimarães, confiante de que o saco não estaria mirando em mim. Mas se o dia fosse de traquinagem, eu preferia enfrentar os moleques.

Naquele dia, eu tinha colocado chiclete no cabelo de Michele. Coitada, foi alvo de uma dessas apostas 'você não tem coragem...', tão comuns aos doze anos. Voltando para casa, peguei a Aimorés e corri morro acima, deixando para trás a sombra do trio, que a princípio pareceu não se importar muito, mas depois ficou me vendo olhá-los enquanto corria, o que os deixou incomodados. Gritaram alguma coisa, mas eu não pude ouvir. Virei na Sergipe e tive certeza que estaria salvo ao ver o portão no muro em frente à minha casa.

Ao tocá-lo, no entanto, empalideci. Foi com muito esforço que não mijei pelas calças. Sentado no chão da varanda, a cara enviada num marmitex, o saco displicentemente ao seu lado - um pouco aberto mas não o suficiente para que eu visse seu conteúdo - estava 'Seu' Josias.

Era isso.

Tinha chegado a minha vez.

O chiclete no cabelo tinha sido a gota d'água.

Voltei-me, pensando em correr para a Igreja e vi virar a esquina o Trio Molequeza. O sardento magrelo e o gordo de cabelo ensebado cutucavam o baixinho, que revidava com tapas nas mãos dos mais velhos.

Eles pararam quando me viram.

Virei de novo para o portão.

'Seu' Josias me olhava, com seus olhos nunca completamente abertos.

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