quinta-feira, 12 de junho de 2008

Mata Verde - Cap. 24

Se Sebastian se divertiu por alguns instantes, o ódio no olhar de Ricardo acabou com seu regozijo. Para deixar clara nossa posição de que havia terminado o jogo, eu sussurrei nos ouvidos de Gavião um 'chega' lento e sibiloso. Eu também queria liberdade, depois de três décadas. Queria ir embora.

Sebastian já não se assustava comigo. Mas ainda sentia calafrios, por isso não olhou para o lado, buscando não ver minha face. E eu que esperava mais de um amante...

Pouco tempo depois, nós cinco andávamos em direção à floresta. Em direção a mim. Sebastian se lembrava bem do caminho, não precisei guiá-lo. Antes de sair, no entanto, o jovem Araucária conseguiu um galão de querosene na antiga fábrica de adubo.

O rapaz espumava de ódio e lágrimas gordas saiam de seus olhos. Seus pensamentos estavam cheios de imagens de Fernanda, estou certa. Mas dessa vez não fiquei com ciúmes. Sentia que o garoto ia me dar algo que eu sabia querer há muito. A ironia de manipular sua raiva para me beneficiar era doce.

Mas ele perdeu o encanto, caindo num golpe tão simples.

O quinteto (eu inclusa) fez algo que a ninguém era permitido: saiu dos limites da cidade. Se a maldição vingativa de Sebastian me impelia a matá-los, eu racionalizava pensando que o próprio Gavião anulava aquela parte da tarefa. Eles que seguissem, comigo ao seu lado.

A caminhada foi longa e silenciosa. Sebastian o tempo todo de olhos grudados no chão, tentando evitar-me. Maria Fé segurava o braço do tio, seus olhos cheios de incerteza. O próprio Delegado Ameixeiras dava passos incertos e retorcia o bigode grosso. Uma das mãos pressionava o peito, como se ali houvesse algum talismã capaz de protegê-lo. A outra mão estava no cabo de sua arma. Como era cheio de superstições, o velho!

Só Ricardo andava com passo firme. Atiçava Sebastian a andar mais rápido, enquanto o dia terminava por trás da copas das árvores.

Foi no lusco-fusco do pôr-de-sol que os pés de Ricardo roçaram o primeiro animal morto que rodeava meu santuário. Maria Fé levou a mão ao nariz, como se houvesse algum cheiro, mas não havia nenhum.

Deitada na relva, na posição que meu amante me deixara há tantos anos atrás, nós pudemos ver meu corpo transbordando água, que escorria livremente por meu nariz, minha boca e meu sexo. Não era água pura: era água das almas que absorvi todos esses anos.

Na relva da floresta amazônica, deitada em berço esplêndido, cheia de cicatrizes, estava minha prisão.

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