terça-feira, 3 de junho de 2008

Mata Verde - Cap. 20

Ricardo tirou o papel do bolso e olhou a letra conhecida de Fernanda. Gavião. Ele não entendeu de primeira. Acontece quando estamos chateados, eu entendo. A cabeça pára de funcionar porque a tristeza é como uma névoa baixa nos caminhos do cérebro, fazendo com que os pensamentos se percam em curvas e voltem sempre ao mesmo ponto. O cérebro triste é kafkaniano, fazendo todo o esforço para sair do lugar sem perceber que todo o esforço é para ficar parado.

Gavião. Ele disse a palavra em voz alta, atraindo a atenção de Maria Fé.

- Gavião? - ela repetiu, sem entender. Ele explicou que no bilhete de Fernanda só havia uma palavra: gavião.

Maria Fé não sabia muito dos pássaros da região. É claro que haviam gaviões na floresta, mas não se via um na cidade - não se via pássaro de espécie alguma na cidade - a um bocado de tempo. Culpa minha, eu sei. Pássaros não são grandes fãs de almas amaldiçoadas.

Gavião. Por mais que Ricardo pensasse, não entendia minha mensagem. Era preciso que ele conhecesse melhor Mata Verde para isso.

Foi um tempo que passei frustrada, esperando que algo acontecesse. Amaldiçoei-me - o que não deixa de ser irônico, por ser a segunda vez - por não ter sido mais clara. Eu podia ter deixado duas palavras, não? Uma frase, até! Mas não: quis manter o charme e paguei o preço, tendo que esperar o paspalho e a desmiolada se darem conta do Gavião...

A irritação não ajudava em nada. Mas era tudo o que eu podia fazer. A casa dos Araucárias percebeu e tremeu de medo. As janelas tilintavam como dentes. As luzes piscavam como olhos. E, num espasmo nervoso, a casa cuspiu seus dois moradores para a rua.

Eles correram para a delegacia, assustados.

Obrigado, Casa.

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